segunda-feira, 27 de agosto de 2012

stela do patrocínio

STELA DO PATROCÍNIO, nascida em 1941, impressionou profundamente a artista plástica Neli Gutmacher e suas estagiárias, quando esta foi convidada, na década de 80, a montar um ateliê na Colônia Psiquiátrica Juliano Moreira. Interna desde 1962, Stela se destacava dos outros pacientes por sua fala peculiar, com alto teor poético. Algumas de suas falas foram gravadas em fitas cassetes e, quase quinze anos depois, foram transcritas, organizadas em forma de poesia e reunidas em livro pela escritora Viviane Mosé. "Reino dos bichos e dos animais é o meu nome" atingiu tal repercussão que, em 2002, tornou-se finalista do Prêmio Jabuti e, em 2005, levou a fala de Stela a ser transformada em ópera pelo compositor Lincoln Antonio. Apesar de amplamente divulgados e acolhidos com entusiasmo por poetas e intelectuais, seus poemas permanecem relativamente desconhecidos do público em geral, talvez pela falta de uma divulgação pública das gravações, ou de uma nova edição com a transcrição integral de sua fala.

Totalmente abandonada pela família, Stela permaneceu por quase 30 anos interna da colônia psiquiátrica, sem nunca ter saído de lá; veio a morrer em 1997, vítima de uma infecção generalizada. 

Os poemas aqui presentes seguem a formatação e a seleção proposta por Viviane Mosé e foram publicados sob autorização da Azougue Editorial.


NADA

Não deu tempo
Eu estava tomando claridade e luz
Quando a luz apagou
A claridade apagou
Tudo ficou nas trevas
Na madrugada mundial
Sem luz

Stela do Patrocínio

ÚTIL INTELIGENTE RACIOCÍNIO

Eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
Eu era ar, espaço vazio, tempo
E gazes puro, assim, ó, espaço vazio, ó
Eu não tinha formação
Não tinha formatura
Não tinha onde fazer cabeça
Fazer braço, fazer corpo
Fazer orelha, fazer nariz
Fazer céu da boca, fazer falatório
Fazer músculo, fazer dente

Eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
Fazer cabeça, pensar em alguma coisa
Ser útil, inteligente, ser raciocínio
Não tinha onde tirar nada disso
Eu era espaço vazio puro

Stela do Patrocínio

NÃO SOU 'EU'

Não sou eu que gosto de nascer
Eles é que me botam para nascer todo dia
E sempre que eu morro me ressuscitam
Me encarnam me desencarnam me reencarnam
Me formam em menos de um segundo
Se eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver
Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto
Ou pra cabeça deles e pro corpo deles

Stela do Patrocínio

FORMA HUMANA

Eu não queria me formar
Não queria nascer
Não queria formar forma humana
Carne humana e matéria humana
Não queria saber de viver
Não queria saber da vida

Eu não tive querer
Nem vontade para essas coisas
E até hoje eu não tenho querer
nem vontade para essas coisas

Stela do Patrocínio

UM APARELHO QUE PENSA BEM PENSADO

Eu já fui operada várias vezes
Fiz várias operações
Sou toda operada
Operei o cérebro, principalmente

Eu pensei que ia acusar
Se eu tenho alguma coisa no cérebro
Não, acusou que eu tenho cérebro
Um aparelho que pensa bem pensado
Que pensa positivo
E que é ligado a outro que não pensa
Que não é capaz de pensar nada e nem trabalhar

Eles arrancaram o que está pensando
E o que está sem pensar
E foram examinar esse aparelho de pensar e não pensar
Ligados um ao outro na minha cabeça, no meu cérebro

Estudar fora da cabeça
Funcionar em cima da mesa
Eles estudando fora da minha cabeça
Eu já estou nesse ponto de estudo, de categoria

Stela do Patrocínio

QUINHENTOS MILHÕES E QUINHENTOS MIL ANOS

Eu sobrevivi do nada, do nada
Eu não existia
Não tinha uma existência
Não tinha uma matéria
Comecei existir com quinhentos milhões e quinhentos mil anos
Logo de uma vez, já velha
Eu não nasci criança, nasci já velha
Depois é que eu virei criança
E agora continuei velha
Me transformei novamente numa velha
Voltei ao que eu era, uma velha



Stela do Patrocínio

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Água Corrente

"Se tentarmos colocar água corrente em um balde, está claro que não entendemos nada e que acabaremos sempre desapontados, pois, uma vez no balde, a água não é mais corrente. Para 'ter' água corrente é preciso deixá-la livre e correndo" (Alan W. Watts - A Sabedoria da Insegurança - 1951), via Eduardo Simonini Lopes.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sidlei

Era uma casa bem cheia de vida! Tinha omelete de fubá e cebolinha (da horta da casa!). Tinha muita gente, muita gente, meninos e meninas, filhos e filhas, toda a vizinhança, domingo, eu e mamãe (sempre!), meu pai e meu irmão (às vezes!). Tinha o padrinho da mamãe, mas eu me lembro só do paletó, não lembro do rosto não, pois era o que conseguia enxergar quando pequena:  o bolso que guardava minha chupeta para eu brincar.  A tia contava as histórias de Jesus - a televisão dizíamos: "queimada", "atrapalhada". A gente enfiava a mão na lata de carne; eu, como sempre, pedia e ganhava: sacolé, pastel. Meu irmão era repreendido por escutar a música dos Titãs ,"o pulso ainda pulsa", "claro", trazia mal agouro. A gente virava o quadro (para ver se o que diziam era verdade!), escutava e contava histórias (da roça, de fantasmas e espíritos!), depois "morria de medo". Meus primos, discos do Lulu Santos, Cazuza e Raul Seixas... Como é possível sentir novamente a tristeza da casa do padrinho da mamãe, no dia do seu falecimento, hoje, aqui em Juiz de Fora? É, a vida é um sopro! Sidlei, OXALÁ! Padrinho, se puder abrace com todo amor do mundo seu filho, meu primo "de terceiro primeiro grau", por mim. Um abraço amoroso, saudoso, no senhor!

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

DISCURSO DO ESPECIALISTA


Atualmente, a gente se relaciona com a realidade a partir do discurso do especialista e não, a partir de nossa experiência do dia a dia (Fernando Braga da Costa. Programa de TV – Palavras Cruzadas – Rede Minas – 15/08/2012). 

Expectativas


Eu faço minhas coisas, e você faz as suas. Eu não estou neste mundo para viver de acordo com suas expectativas, e você não está neste mundo para viver de acordo com as minhas. Você é você e eu sou eu. E se, por acaso, nós nos encontramos, então é lindo! Se não, o que há de se fazer?!
 (Fritz Perls - tradução Eduardo Simonini).

sexta-feira, 6 de julho de 2012

torna-se o que se é

‎"Pq uma pessoa é tanto mais autêntica, quanto mais se aproxima daquilo q sonhou p si mesma..."
Almodóvar. 

quinta-feira, 21 de junho de 2012

House

Todo mundo morre. (ponto final).
Enigmas? [House descobria respostas ou criava respostas?]
Morrer, de vez em quando, cria condições para viver.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Palavra

‎"Eu sempre achei que queria ser poeta. Demorei para perceber que no fundo, no fundo, eu queria ser poema" (Antônio Tico). 

domingo, 3 de junho de 2012

rENATOéRICArUSSO


Ideia

‎... porque, no fim das contas, as ideias são como borboletas... criaturas frágeis que desaparecem em meio das folhagens... É preciso ter paciência para pegá-las em voo..., não se pode ter pressa, porque elas podem ser espantadas por nossa correria. Caçar idéias é ter uma rede fina..., para produzir movimento sem peso..., para capturar a leveza sem destruí-la (Eduardo Simonini Lopes).

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sem nome

"Comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto - como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor - como se chama? Estar ocupada - e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?" (Clarice Lispector).